sexta-feira, julho 23, 2004

A arte imita a vida e a vida imita a arte



"A arte imita a vida e a vida imita a arte"


Uma face imita a outra e esta imita a outra face
Sabe aquela velha inversão circular para explicar a origem da arte? Se não me engano apareceu com os formalistas russos através de Husserl, mas isso não vem ao caso, 'a arte imita a vida e a vida imita a arte'?

Às vezes intuímos uma cumplicidade especial em alguém para dividirmos abismos e delírios. Nessas horas, sentimos muito mais do que pensamos. É díficil saber quando devemos nos guiar pelas sensações ou pelo racional, mais dificil ainda quando sabemos, mas não conseguimos domínio e vamos na direção contrária. Nesses instantes, não é possível confiar em si próprio. Não posso confiar em mim mesma?, eis o meu abismo.

A psicanálise diz que o neurótico se aproxima de uma face em meio a uma multidão de faces pelo fato de se reconhecer nesse mar de nomes, tornam-se amigos, amantes, namorados, parceiros de filosofices. Partindo desse raciocínio nos aproximamos de alguém quando reconhecemos nessa pessoa algo que também é nosso. Depois, temos outra hipótese para a aproximação espontânea de cumplicidade com alguém: porque possui algo que nos faz falta. Que não possuímos. Platão já vira isso, vide Banquete.
Gosto mais da primeira hipótese, embora ridícula, pois essa coisa do outro preencher algum dos nossos vazios, buracos, é ilusória, um dia você fecha os olhos e percebe que continua sozinho em suas ‘faltas’ e que seu buraco continua lá, só seu, intocável. E vê que não pode mesmo confiar em si mesmo ou em suas escolhas.
A hipótese dos neuróticos parece mais saudável, embora a de Platão seja mais poética e sonhadora. Reconhecer-se no outro a partir de si pressupõe exatamente o contrário de ausência. Eu acredito que cada vez que ‘lembramos’ de algo, vivemos esse algo em recordações de uma forma que não aquele que de fato aconteceu, pois você soma o acontecido a todo um mundo subsequente formado de tudo que você se tornou, de coisas que antes não existiam, então recriamos, revivemos, alteramos coisas do passado segundo um ponto de vista de sensações e pensamentos de um dado momento. Podemos nos re-conhecer em nós mesmos com aquilo que permaneceu e, talvez, também, com aquilo que nos falta, com a ausência de... aí aceitamos as duas hipóteses. Por quê, não?

Como confiar em seu inconsciente que se perde em meio a tudo isso? Como confiar no consciente que tem suas artimanhas para ocultar coisas? Aí também existe algo de paradoxal, coisas vividas no inconsciente imitam o consciente e o inconsciente imita o consciente em processos desconhecidos envolvendo nossa mente em ‘arte’. Prefiro chamar de arte, não soa nocivo. Ter acesso ao que o outro é para si mesmo, " onde" ele está, "como" está... mas que mal poderíamos fazer a essa pessoa se tivéssemos acesso aos seus pensamentos, não?

Mas, eu falava em ‘arte que imita a vida e faces que se reconhecem pela ausência ou por algo semelhante, e não no poder do psicanalista sobre seus loucos-e-neuróticos-pacientes_ e vejo tudo isso de maneira simples e humana: a arte de imitar o outro naquilo que já somos como forma de sentirmos que possuímos o direito de assim ser pois há outra face na qual me reconheço. E tudo isso pode ser resumido com duas palavras: falta de coragem em assumir sua autenticidade própria que a psicanálise define como neuróticos. Nada mais que covardia e os divãs nada podem contra isso, ninguém pode. Então, viva os neuróticos-"corajosos" inventados pela psicanálise. E o glamour de Platão, sem pseudos-divãs, só Banquetes.

sANdrA & a Revolta contra a Psicanálise e seu Poder de Julgar os Outros atribuindo Definições Equivocadas