sexta-feira, setembro 30, 2005

Primavera-riobaldiana

Castorp_ "Estava olhando para as plantas, como na primavera os tons mudam, tudo ressurge novamente."
Anna Karenina_ na primavera tudo floresce. Viver é perigoso. Riobaldo, você esqueceu de acrescentar isso na frase, poderia ter sido: na primavera tudo floresce, viver é perigoso nessa época muito mais do que o é nas outras estações.
Castorp_ No sertão não tem primavera, Anna.
Riobaldo_ Muito agradecido, Castorp, Anna está de toleima com isso de primavera, viver é muito perigoso em qualquer estação.
Anna K_ Ora, Riobaldo, você diz na página 304 que quando a gente dorme, vira de tudo: vira pedras, vira flor.
Riobaldo_ Ora, Anna, era por causa de Diadorim, eu via flores em Diadorim o tempo todo, mas você conhece a minha saga com o amor que sentia por ela.
Castorp_ Vejo flores no ar, em você Anna, em você Riobaldo, na primavera que chega.
Riobaldo_ Num tô a ver flores em Anna, não Seu Castorp. É verdade que quando a gente dorme, vira de tudo: vira pedras, vira flor. Mas quando acordo, não acredito: tudo que é bonito é absurdo.
Anna Karenina_ Riobaldo, você não viu o ‘lugar’ em que estamos agora? Nas "Flores do Mal", se Castorp vê as Flores por que você não as está vendo neste momento?
Riobaldo_ Por que "sertão" é o momento, entende, Anna, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando, eu digo que o amor é uma idéia, sabe o que é Anna, eu sou meio-assim como Kant ou Fichte, tudo é produto de minha mente, muita coisa que me aconteceu no sertão ia na idéia, eu via flores por lá porque queria ver, eu vi um outro Diadorim diferente do que era só para poder dizer que julgar é subperigoso, uma categoria do meu primeiro pressuposto de que viver é perigoso. Antes sendo: o julgamento é sempre defeituoso, o que a gente julga é sempre o passado. Muita coisa importante falta nome. Ainda estamos nas "Flores do Mal"?
Castorp_ Sim, Riobaldo, só que são flores primaveris. O inverso também é verdadeiro? Muito nome importante falta coisa?
Anna Karenina_ Quem é que sabe o que uma pessoa é, quem é que sabe o que um nome é ou uma flor na primavera?
Riobaldo_ Adianta saber alguma coisa? Sabença aprendida não adianta de nada. Serviu algum?
Anna Karenina_ É, Riobaldo, 'cê tem razão, viver é isso, tudo certo, tudo incerto.
Riobaldo_ Toda essa toleima por causa de uma flor que floresce na primavera. É só a primavera chegando, xente, só isso, e só porque tá mesmo a chegar. Lembrança da gente é que é meio assim. Tem dia marcado para florescer, tem gente que tem uma tristeza meiga, sempre florescida, muito definitiva, primavera sempre. Assim minha lembrança de Diadorim e não é só na primavera da natureza, idéia vai ajudando, vai na mente, forma primavera do coração, saudade de idéia, saudade de coração. Assim é a vida.
sandra & a primavera-riobaldiana