sexta-feira, julho 29, 2005

Anna & Castorp

Fragmento I
Anna — Castorp, deixas toda a tua vida, assim, em aberto?
Castorp — Não tenho nada a esconder.

A dor não é para ser escondida? Ocultada? Mostrá-la é fragilizar-se. Ele, então, não a conheceu? Minha primeira descoberta em relação às metáforas foi a de que elas escondem sempre, sempre o seu momento original, o efeito de um momento pode ser uma metáfora, sua causa, apenas um instante vivido tão somente em si, com uma quase-absoluta abstração de si próprio diluída neste tempo, um distanciar-se do mundo e, no entanto, estar vivendo-o em cada mínimo detalhe em coisas ditas, não-ditas, transparentes e não-transparentes, subentendidas com palavras e compreendidas sem nenhuma. Nascer em algum lugar de uma forma e trans-formar-se pertencendo ainda ao mesmo lugar. Do pensamento que se estende e se prolonga para o coração ou do coração que se estende e se prolonga até o pensamento. Castorp lembra metáforas numa versão outra embora o mesmo lugar. Metaforizar é, por assim dizer, não realizar descrições “tais” como se deram no empírico. Desviar. Olhar. Voltar o olhar. Seguir. Desviar novamente. Sentir. Pensar. Apenas observar. Esqueci de dizer, Castorp, ainda fez uma última observação antes de mudarmos de assunto: “realmente nada tenho a esconder, eu gosto de usar metáforas, entende, Anna?" Metaforizou-se?