sexta-feira, dezembro 17, 2004

Imagens, uma vez mais

Disse que na maior parte das imagens eu estava ora depressiva, ora tensa, ora déplacée com os meus próprios sentimentos em relação ao mundo. Que duas pessoas, em especial, haviam me feito muito mal, um pequeno estrago, uma não-destruição total, possível de ser revertida. Fiquei pensando em qual seria a vontade a mover a vontade subsequente de alguém em ter atitudes quase como se estivesse em guerra em vez de estar amando. Como algumas pessoas amam de um jeito estranho e fazem desse amor o centro de suas próprias existências sem nenhuma virtude, sem felicidade a ser lembrada. Não fazem questão disso. Pensei, além disso, como podemos acreditar que somente restam pessoas assim pelo mundo, com muito pouco a estender de si próprias em direção ao outro, em direção ao universo. Seus passos atrasam o ir-sempre-em-frente de como a Vida gostaria que a levassem adiante? Nós conduzimos a Vida? Sim, nós. Alguns sem virtudes e beleza de alma e outros que não acreditando em caminhos diferentes se deixam guiar pela falta dessa beleza criada e disseminada por todos os lados como se a Vida pedisse que assim acontecesse.
O que pediria a Vida aos seres humanos? O que damos a Ela?
*
Dize-me quem amas e te direi para onde contribuis para que a Vida vá. Que vá por onde menos se espera é um fato, que ames o lado oposto para o qual nasceste, um desvio de viver, que chores por ter feito este caminho, o lamentar-se adequado ao vivido.
O que fizeste, então, com a Vida?
E, assim, dizer, sem nenhum pudor, 'ora, é bom sair e olhar de fora e perceber que o rumor é coisa de quem passa, de quem se perdeu e pensou o contrário. Deixe assim, este velho chão, ainda terá muito por dizer e quando ouvires novamente: "o que deste à Vida?" E retornar, logo após, seu olhar por sobre seu próprio coração e sentires aquilo que não deste, então, será a hora do tarde demais para voltar.
Hora de ir, pois que retornar é impossível.
Hoje compreendo porque razão existe a não imortalidade sobre a face da Terra. Seria uma maldição para aqueles que chegam perceber o acúmulo de não-virtudes sem a possibilidade de que a Vida pudesse ter a esperança de renascer. Talvez o belo, quanto ao fato de que todos morreremos, é a esperança que fica implícita naqueles que estão por chegar porque aqueles que partem nos fornecem a compreensão do sentido da morte.
Bachelard diz que para a imaginação, um mundo gravita em torno de um valor.
Muita imaginação sem valor definido?
Ou pouca imaginação com os mesmos valores bem definidos é que colocam sobre o mundo uma película de movimento a transportar para cada novo coração a resposta final que cada antigo coração buscou. Todos procuraram. Quem encontrou?
Se você pudesse dizer algo ao mundo e ser ouvido por todos por alguns instantes, que frase escolheria?
Eu não escolheria nenhuma palavra, se fosse possível, apenas uma imagem de sensações, aquela que traz a proximidade da luz azul. Sei que ele sabe do que falo pois é para ele que escrevo tais palavras, sei que olha para mim enquanto as escrevo porque se uma parte de mim lhe pertenceu e uma parte dele está em mim, tudo isso tem a ver com associações de idéias antigas, muito antigas, aquelas que não sabemos sequer onde buscar ou quando chegarão, sentimos, existem.
E não se deve desprezar conselhos vindo de mundos não racionais, por isso quando ouvi: "deves trabalhar com associação de idéias antigas, muito muito antigas", tão antigas que não sabes onde elas estão, sequer sabes de sua existência, não as imaginas por hora, mas lembrarás".
O que poderia significar? Não seriam os sentimentos uma associação de sentimentos antigos? Não seriam as sensações, associação de sensações antigas? Percepções, relações, reflexos, espelhos e beijos e tudo o mais já vivido e novamente a reviver? Que a beleza do corredor marrom de madeira_ da velha casa de pessoas estranhas e nada a ver_ traga, junto com todas essas coisas, mais que a imagem do homem de paletó branco a passear sutilmente por um lugar que antes foi seu. Ele aguarda algo acontecer? Por certo, também eles, que partem, continuam esperando, nós, que não partimos, contudo, esquecemos disso, o esperar se torna a casa de madeira que não mais existe e embora toda a imagem etérea possa ser vista com desconfiança, no fundo, o que importa é sua permanência ao lado do valor que move a imaginação. Ver com encanto o valor da imaginação, pois não é durante tal movimento que se morre e se renasce?
A minha imaginação pergunta pelo homem de paletó branco.
O meu valor pergunta pela sua casa de madeira antiga e pelo suor de seus pés na madrugada a soar como se nada tivesse mais a tocar com seus olhos. Tocarei outra vez seu rosto envelhecido e as sensações antigas que retornam insistentemente me darão alento para entender por que razão algumas coisas não absorvidas pelo nosso racional insistem em se fazerem vistas quando o vício de seguir é o de sempre, o da não-despedida.
sandra & as Ilações com o Homem de Paletó Branco & o conselho de Associações de Idéias com Idéias Muito Muito Antigas