quarta-feira, junho 27, 2007

O que será que será que está dentro da gente e não devia?
(Chico Buarque)

Os sonhos & os sonhos.

Ele passeava ao longe, solitário, pisava por sobre gramas verde-gris, imagem leve, flutuante, no todo de seu corpo eu via puramente seus olhos. Uma senhora muito baixa e vestida de cinza o observa, está parada ao meu lado e embora eu a conheça somente do sonho sei o porquê de sua presença. Ela continua observando e eu, também, de repente quebra um silêncio que parece viver dentro de outro silêncio e outro e mais outro: “tem algo que sai pela expressão dos olhos dele e vem até onde você está, ainda que ele não esteja olhando na sua direção, ele viu, entende? Consegue ver.
— Como ele viu?, pergunto à desconhecida.
— Ele sabe, ele vê, responde ela.
Nesse instante vejo uma imagem que se interpõe entre o seu andar contínuo e o meu-estado completamente imóvel, é a imagem do meu próprio corpo em transparência como se não me pertencesse e como se eu fosse totalmente transparente, vejo-me como imagem em água e é a água que está “entre”, mas sou eu e não sou eu a imagem em água. Ela percebe: Pode ficar louca. Tem medo?

A minha imagem em água desaparece, ele reaparece ainda andando com o verde-gris sob seus pés, tenho uma sensação repentina de conforto ao revê-lo, mas respondo, "sim, tenho medo." Ressoam ainda as minhas últimas palavras que se misturam ao longe com a minha própria voz, embora meus lábios e meus pensamentos não se movam, ouço de mim para mim mesma com a melodia do lugar distante: a taça que atravessando a porta se transformará em espada ou em água.

Os sonhos & os sonhos sem a medida da vontade vêm, permanecem, circundam, vivem, envelhecem, às vezes beijam, às vezes não, coloridos em movimento e cinzas na imobilidade e então as cores associadas com o real nos trazem de volta à realidade. Torna-se um conforto abrir Turgueniev e ler um conselho que ali está concreto, palpável em palavras escritas, impressas, reais, a vontade, a própria vontade lhe dará força, que é mais do que a liberdade. Aprende a querer e serás livre. Então me pergunto, e depois?, o que há depois da vontade, da força, do aprender, do querer e da liberdade? E depois, Turgueniev?, o que haverá após a liberdade? Outro caminho a impelir uma vez mais o tudo para outros sonhos onde a Liberdade se sentirá em casa o suficiente para declamar ao visitante o poema de um só verso a falar sobre melodias possíveis, mas sorrindo zombeteira, a Liberdade-ela-própria, ao final, mostrará sua não-repetição: “há um castelo que está à venda”.

sANdrA_ 27 de junho 2007