domingo, junho 17, 2007

Talvez um choro, talvez um riso & talvez "um sopro de trombeta imaginária"

Para Ele que cultiva o Riso.
Existiu alguém com senso de humor na tua vida, Anna?, infância. Sim, respondo, a minha avó. Mas não havia humor para mim, a afetividade condena para nós o humor dados aos outros, é diferente o olhar que vive dentro do olhar que vive fora. Observe, de quem rimos na maior parte das vezes? Daqueles pelos quais não sentimos grandes afetos, onde a afetividade é algo ainda tênue e quando rimos de quem amamos não é um "riso", é um riso-mais-para-sorriso pois a afetividade não é substituída por outra emoção ou sentimento. Ele diz que preciso rir mais. Não ouvi direito, ele disse rir ou sorrir mais? Ele continua: "Observe menos. Irá sorrir um pouco mais". Ele tem um olhar divertido, mas como sempre vejo primeiro o que está escondido e não o que está em primeiro plano e evidência, percebo por trás da diversão uma certa gravidade em sua expressão, na natureza de seu olhar paira um ar de gravidade que não consigo definir para mim mesma e que "vejo" como primeiro plano, colocando seu senso de humor na não-evidência. Mas ele me confunde um pouco com esses comentários sobre sorrir e rir. Lembro de Bergson, O Riso, mas lembro em segredo, algumas lembranças devemos dividir com o segredo et rien de plus. Ele realmente a estava ensinando a ser mais esperta para a vida. Fiz um teste, então. Sorri uma vez. Ele retribuiu. Sorri de novo, outra retribuição. Mais um sorriso, outro nos lábios dele que diz: "Diga algo, Anna." Penso: "Dizer? Mas não era para sorrir?" Começava a entender que sorrir anda lado-a-lado com o silêncio, era como um acordo humanitário do tipo: para que meu silêncio não seja tomado como indiferença ou esquisitice silencio-sorrindo. A humanidade adora esse tipo de silêncio. Neste instante lembro de um conto de uma escritora gaúcha em que a personagem decide nunca mais sorrir. Provavelmente ela decidira contrariar o acordo humanitário. Mas nada falo. Lembro em segredo-sorrindo. Vou ficar boa nisso, nisso de lembrar-em-segredo e trocar por um sorriso. Só essa idéia já me faz rir um pouco e começo a entender como é que funcionam certas coisas do mundo. Soava como uma alternância de vida inteligente, sorrir é sempre depois de uma lembrança que fica velada. Com certeza foi um francês quem inventou o riso. Penso que deveria escrever um conto sobre uma mulher que decide nunca mais parar de sorrir. Hilário em dois tempos. Não adianta, ele pede que eu diga algo, mas só me vêm em mente lembranças que não sorriem, então descubro que não dá para substituir qualquer coisa da memória por um sorriso. Sei lá, estava mesmo ficando confusa. Bergson volta aos meus pensamentos, ele não condena o riso, antes pelo contrário, mas não dá para rir lendo Bergson. Neste instante ele diz: "É, Anna, não tem jeito, você é do tipo que sorri-de-passagem, aí o riso não chega, entende?" Não entedia, para dizer bem a verdade para si própria, não entendia, mas ficou repetindo aquilo em silêncio "então o riso não chega, então o riso não chega o riso não chega o riso o não chega... Ele: "Ri melhor quem sorri antes." Mas ela sempre acreditara que em tudo o antes era
o pensar
o pen(s) ar
o pe(n) sar.
Mas ele dá um último conselho antes de virar as costas e ir-se embora: era para eu ficar apenas com o _ar_, o ar do riso. Foi-se com passos estranhos, tudo nele era meio dificil de definição, era só deter o olhar no que não estava em primeiro plano, era simples mas ficava tudo muito complicado. E talvez sorrir fosse apenas um ato de ver sempre e tão somente em primeiro plano e ele se divertia confundindo-a. Fico parada olhando como quem nunca consegue ver o evidente facilmente, fico olhando a despedida intempestiva dele, gostava dessa cena, uma frase que se pretende última, uma virada de costas e passos para longe, dá uma sensação de que esse tipo de despedida sempre deixa história para trás nos passos que vão para frente e aí fica aquela sensação de incompreensível. Sinto Bergson sorrindo para mim, tipo de sorriso confortável, não é preciso preocupação com o impossível. Começava a classificar seus sorrisos em silêncio.
E ele não olhou uma única vez para trás. Terá sorrido em algum ponto? Terá deixado soar um riso contido? Talvez tenha murmurado: "Há rostos que parecem ocupados a chorar o tempo todo; outros, a rir ou a cantar, outros a assoprar eternamente uma trombeta imaginária", pelo menos ela não se encaixava na opção do que Bergson classificara como sendo a mais cômica, mas a imagem de uma trombeta imaginária não era realmente para quem tem sorriso-de-passagem.
sANdrA &_ rir ou não rir, eis a questão_ haverá algo mais nobre neste mundo?