quarta-feira, junho 10, 2009

eu visitei o escritor em sua 'casa'_na 'casa' em que mais ama

Anna Akhmátova, “eu visitei o poeta em sua casa”.
Eu visitei o Escritor em sua 'casa', na 'casa' em que mais ama.
Um acaso.
Acabara de separar o livro “As Cem Melhores Crônicas Brasileiras” para levá-lo no lugar de 'O Vermelho e o Negro'. E não é que o Escritor está no livro? Que acaso literário. Estava às voltas com outras escolhas, trazia ainda na dúvida Vargas Llosa, Lygia Fagundes, Ítalo Calvino, Poesia Russa, Hilda Hilst, e Stendhal para substituir uma escolha. Stendhal me fez ‘visitar’ o Escritor em sua 'casa', a 'casa' que mais ama. Algum passante ficará curioso, sim, mas qual o nome dele. Ah!, que não digo, não o posso dizer, escritoras marginais devem falar pouco, quase nada. Não o posso dizer. Mas dou uma dica para algum eventual passante curioso aqui das Flores: 'visitei' o Escritor porque não quis ficar com Stendhal, 'visitei' o Escritor porque eu já o conhecia. Eis, é cronista. Sim, sim. Mas a lista do livro é enorme. Que não digo nada. Não é o primeiro da lista, mas tem pintas de bruxo, como me fez visitá-lo tão rápido e tão breve?
Não fique com ciúmes, ele não lembrava quem eu era:
— Oi, oi, tudo bem? — digo sorrindo após observá-lo caminhar em minha direção.
— (ele para e fica me olhando sem saber o que dizer, é que não lembra) ...
— Não lembra de mim? (não lhe dou tempo de responder para ficar mais leve a ‘visita’) Você é o Escritor, sim? Eu sou a S., lembra? Trocamos emails nesta madrugada, isto o faz sorrir, talvez de alívio porque eu o ajudo com a lembrança.

(em menos de 10 horas após os emails trocados agora estou aqui a trocar stendhal. enquanto me olhava mudo, provavelmente, ele tentava ir substituindo rostos em suas lembranças, daqui para lá, de lá para mais além, de cá, de lá, mas aponto o lugar do 'lá': ‘trocamos emails nesta madrugada’)
— Tudo bem contigo? – ele pergunta — você está muito diferente sem a cor vermelha nos cabelos.
— Sim, respondo. Estou bem. Por acaso, vim substituir outro vermelho, é o de Stendhal: pel'As Cem Melhores Crônicas Brasileiras', acha que é uma boa ideia ir se livrando assim de tantos 'carmins'?
— Muito boa. Tem grandes nomes nesta coletânea, são as cem melhores crônicas que não são as cem melhores.
(sorrio com a ironia, cronistas são bons nisso, em ironias)
— Você está no livro? Eu nem olhei ainda a lista de autores.
— Sim, estou sim. — Pega um exemplar e me mostra, estou aqui — e depois vai mostrando nomes que ele considera como excelentes escritores. Em seguida pega o meu-vermelho e abre assim para brincar um pouco com o acaso que nos pegou de surpresa, mais a ele que a mim, digo, antes a ele que a mim, já que lembrei antes, é que os acasos perdoam aos que recordam. Ele lê a epígrafe do capítulo XVII: "eu agora pretendo ser sério - já é tempo, pois hoje em dia até o riso tornou-se sério." (neste instante muitas pessoas circulam repentinamente pela ‘casa’, todos aqueles nomes soltos em vozes com tons diferenciados, vindos de todos os lados, assim como se fossem sustos, como um mantra literário: ‘poe, hilda, lygia, calvino, llosa, gabriel garcia márquez, victor hugo, campos de carvalho, rimbaud, manoel de barros, baudelaire...” em meio ao mantra de nomes ele se despede com delicadeza fugidia. E sai com o meu ex-exemplar de O Vermelho e o Negro. Eu fico lá, parada com As Cem Melhores Crônicas em mãos (sem o seu autógrafo), ainda escutando ecos literários ...oe, lda, gia, vino, osa, el, valho, baud, arros, aire...sério, ério, rio.
*
Visitei o Escritor em sua casa, na casa em que mais ama. Que o vermelho o faça lembrar. Eu deveria ter lhe dito: cuida, o que andas a escrever planta ceticismo, emboscadas, loucuras na mente humana, lembre sempre do vermelho, do vermelho que pode sugerir cem outras coisas sem que sejam as cem melhores: eu sou a mesma de um ano atrás & continuo com as mesmas ideias que não levam nem ao riso da seriedade nem à seriedade do riso: às vezes, a vida nos concede um instante de ludismo que não deve ser levado a sério dentro do tempo deste instante, muitas vezes a vida nos concede um instante de seriedade que não deve ser levado no riso dentro deste mesmo instante, pois tudo que flui bem flui por ‘vermos’ o quanto de tempo nos é concedido para isto ou aquilo. Sincronia com a vida. Sem isto haveremos de lamentar: “o problema não é que a vida não nos dê as coisas, ela nos dá para depois tirá-las”, é o não fluir bem. Dissonância com a vida. Que difícil isso: cara ou coroa?, riso ou seriedade?, quando e quanto?
*
(e ele nem lembrou do aniversário da Dolores Duran e nem da data da morte de Nara Leão, por que então lembraria de vermelhos que envolvem voz infantil?, que perguntam: cara ou coroa?, vermelho ou negro?)
sandra