quarta-feira, abril 20, 2005

Teoria & Intuição no Estudo do Grego

De repente senti vontade de voltar ao estudo da língua grega. Sabemos, o grego é uma língua para a vida toda. Essa vontade de retornar à língua dos antigos acabou trazendo uma lembrança da época do mestrado quando eu e a B. estudávamos grego com N._ doutorando em filosofia antiga na época_ e embora extremamente jovem era conhecedor de várias línguas estrangeiras, inclusive grego, assim uma vez por semana tínhamos aula com ele. Era muito surreal o estado em que nós três ficávamos depois de duas horas envolvidos com a transliteração e a tradução e todas aquelas declinações. Bem, N. utilizava o mesmo método que E. Carneiro Leão usou na Alemanha quando foi aluno de Heidegger, por sua vez E.C. Leão foi professor de grego de Luis Felipe, professor de Filosofia Antiga na UFSC que, por sua vez, foi professor de N.
Durante uma das aulas, eu desci até a cafeteria para pegar algumas doses de cafeína, havia deixado o dicionário aberto na letra I _ português/grego_ porque desejava pesquisar o termo 'irreal'. Quando retornei N. explicava para a B. as derivações do termo teoria. Olhei para o quadro e estava escrito teoria em grego, voltei os olhos para o dicionário que ficara aberto e o que vejo? Vejo a palavra teoria, em grego, só que estava no verbete Intuição, português. Comentei o que havia "encontrado" por acaso. N. foi olhar como que para conferir pois pensou que eu estivesse querendo fazer uma ilação forçada. Acabou se surpreendendo ao descobrir tal possibilidade de tradução para o termo teoria_ como "intuição". E eu que vivo às voltas com isso senti como um momento mágico e receptivo da língua grega. Não foi, então, uma estranha e deliciosa coincidência? Contando por aqui não soa como foi sentido, mas nos segundos em que isso se deu, um clima de estranhamento tomou conta de nós três. Falavam sobre teoria e, sem querer, com o dicionário aberto descobrimos na palavra Intuição uma possível tradução para os textos antigos perdida com a mania de teoria-racionalista-em-demasia. Minha busca pela palavra "irreal" acabou em um instante mais que real, embora a sensação surreal_ provocada pela forma da descoberta entre diálogos inesperados & cafés & dicionários abertos. Isso me faz pensar, a intuição talvez prefira a porta aberta do acaso em vez da racionalidade, faz pensar na sensação inusitada semelhante a um texto lido através da nossa linguagem: lido com o coração, a percepção é totalmente diferente do que se lido com o racional. E isto leva a muitas outras hipóteses, afinal quem vem primeiro? Estou eu já racional antes de iniciar uma leitura? Estou eu já predisposta, naqueles instantes, a ler de forma racional? Ou o estilo e a linguagem do autor é que vão me conduzindo ora coração ora pela racionalidade? Há algo em nós dominante ao nos aproximarmos às palavras de um autor? Se a pessoa possui pouca sensibilidade dificilmente lerá, por exemplo, Husserl, com o coração. É um bom teste este, tentar ler Husserl com o "coração" e não com a "consciência". E, se esta é "sempre consciência de alguma coisa" e é preciso "voltar às coisas mesmas", pressuponho então, "as coisas" antes de seram "mesmas" são coisas e assim, dificil ter uma receptividade em direção à sensibilidade, isto é, um voltar à sensibilidade mesma, pois incluindo a leitura pela sensibilidade considerando que esta não é uma "coisa" e portanto não é "mesma" e nem "coisa mesma", faltou uma dose de mágico acaso para Husserl. Que me perdoê, mas como escrevia mal. E isso que escreveu mais de 30 mil páginas. Talvez tenha queimado as páginas intuitivas e agora ficamos nós, com idéias brilhantes de um péssimo escritor. Estou um pouco crítica demais para o propósito de meu blog, terei eu, voltado "às coisas mesmas"? E pensar que essa divagação começou com o grego e o acaso de uma descoberta.
sandra & o antigo clichê husserliano do "devo voltar às coisas mesmas"?_ pressupõe que um dia estive nelas, saí e agora deve haver um retorno. Será?