quarta-feira, maio 27, 2009

Parte I. "A distância entre a intenção e o gesto"

a distância entre a intenção e o gesto* ou eu sou mônada, mas sou mônada feliz

Ele: "O que você acha do que o J. fez? E de A.? Como você viu o que aconteceu na discussão entre eles? Não sei para qual deles eu devo dar razão. O que você pensou?"
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Depende de como é o teu pressuposto para olhar para a vida. As pessoas possuem o seu pressuposto de vida, mas raras são as que sabem qual é, conheci muitos filósofos que sabiam os pressupostos de toda a história da filosofia, mas raros sabiam quais eram os seus pressupostos que faziam com que tivessem uma determinada atitude. Muitos nem sabem de onde suas palavras saem, a origem do que somos passa por aí: pelos nossos próprios ‘pressupostos’ de vida. Eu conheço um dos meus e sei que olho para as atitudes das pessoas através dele e sei que sou na maior parte das vezes incompreendida no que disse porque o outro ouve através dos seus pressupostos e aí o jeito que eu falei sobre algo ou alguém a partir do meu pressuposto de vida, quando absorvido pelo outro e de dentro-do-outro terá uma versão também outra, a sua, claro. E deve ser por isso que as pessoas são tão equivocadas quando dialogam entre si. A compreensão é rasa e superficial, muito mais barulho do que vida verdadeira. Vejo o mundo assim: com mônadas que são lúcidas para si mesmas porque a tendência é cada um acreditar em suas verdades e estas são sempre lúcidas para quem as têm, ainda que nem saibam de onde elas tenham vindo, pior, não sabem sequer porque deixaram permanecer um sentimento não-bom e expulsaram de dentro de si um bom-sentimento. Que sabe o homem a respeito de si? Rien des plus. Essas ‘mônadas’ lúcidas para si e equivocadas para o resto do mundo ao chegar em algum outro ponto onde há vida encontrarão muitas outras mônadas convictas de suas verdades e que já são outras, o mundo então se torna toda essa confusão de falas, palavras, atitudes, discussões, guerras de palavras, que vemos e vivemos, o mundo é essa bagunça de pessoas zumbizadas em seus pressupostos completamente desconhecidos, gente!, o mundo está doente de desencontros. Isto não é Leibniz, é apenas um pouco da vida maluca que todos vivemos que fala sobre a distância entre a intenção e gesto, que fala um pouco, assim passo a passo sobre o quanto existe distância entre intenção e gesto (o gesto de uma palavra).
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Meu pressuposto é desvendar a intenção. Minha maior incompreensão é que isso está alguns passos antes do discutido, e passo eu por doida e outros adjetivos, mas foi o outro que me viu segundo o que ele acredita, o problema é que ele nem sabe direito no que é que acredita, aquela velha versão de: que tipo de lentes você usa para ver o mundo?, a maior parte não sabe, nunca pensou, muitos não conhecem a palavra adequada para tal sensação de vida. E alguns poderão dizer: então, a compreensão passa pela intenção, explique melhor, por favor. E eu terei que dizer: mas também sou mônada lúcida e mônada confusa e equivocada, veja, não tenho como explicar isto de intenção porque acontecerá uma regressão ao infinito de explicações que tornarão tudo mais terrível ainda. Eu sou uma mônada um pouco mais feliz, digamos assim, com o barulho que não faço no mundo que existe.
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(“daria para dar um exemplo concreto?, assim, mais vida, realidade, entende?”
“não, temo que não, mônadas também possuem temores, eu sou péssima para descrever coisas reais, estou aprendendo com o Paiva como estar mais atenta à Vida do que às abstrações, mas isso me é tão difícil, eu queria saber como ele consegue ir de uma abstração para uma realidade com tanta espontaneidade e inteligência e depois fazer o inverso, ir de uma realidade para uma abstração do mesmo jeito, espontâneo e perspicaz, penso que devemos estudar o Marcelo, ele é um mônada raro, temos muito a aprender ainda!)
sandra_mônada feliz
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(esqueci de contar, mônadas felizes são alaranjadas em vermelho-confuso)


(** a distância entre a intenção e o gesto, verso de Fado Tropical de Chico Buarque)
De que vale ser dândi?

Baudelaire, dândi de respeito, proseou a respeito de tudo, inclusive sobre si mesmo, em “meu coração a nu”, falava ele em "estudar a lei universal e eterna da gradação", o que lembra a linha dividida de Platão, eu sei e você sabe já que a vida quis assim, gradação lembra a dialética de Platão. Em palavras fora da terminologia filosófica é como um "passo a passo", "pouco a pouco" da vida dos pensamentos, da epistème, do conhecimento, logo para este brilhante grego viver era gradar desde o berço até a morte, o inverso também é possível, o ‘degradar’, você escolhe, Platão não era dogmático.

Os poetas ‘gradam’ ou ‘degradam’? Baudelaire desejou estudar a gradação conforme aquilo que lhe é imanente filologicamente: ‘passo a passo’. Vejam, existem coisas na vida que já de antemão são generosas, se fores gradar já sabes: "pouco a pouco", se fores dândi, pé por pé pé por si, se fores Guimarães Rosa. Parece simples embarcar nessa de evolução pensamental. Mas creio que não é bem assim, ainda penso naquela teoria sobre a compreensão e o entendimento que pode se dar entre duas pessoas (vou usar o exemplo assim, duas pessoas, porque soa mais poético, Baudelaire aprovaria e me preocupo com o que os poetas pudessem vir a pensar se aqui estivessem, oh, se aqui estivessem ainda o que diriam então?) (o exemplo fica para outra hora).
Gradar pode ser sentido de diferentes formas, talvez seja desanimar, esmorecer, sucumbir. Se um lado brilha outro deverá se apagar?, abrandar, amainar? Se alguém vier me perguntar por gradar, direi: amorteça!, amorteça o mundo, atenue o real, diminua a realidade, enfraqueça as fantasias, asfixie mais o dizer, sufoque a sensibilidade, encubra o amor, contenha o sofrer, domine as tristezas, refreie maus pensamentos, reprima a ternura, sufoque o olhar meigo, impeça olás e adeuses (adeuses é plural de adeus ou negação de deuses?), atalhe o planeta, tolha os deuses, obscureça os desejos, encubra o olfato, oculte os lábios, cale o toque, camufle suas andanças, dissimule e fique na tua, esconda de todos e de tudo o motivo pelo qual estás a gradar, do contrário, seu intento maior de vida irá escorrer pelo ralo como tudo que é humano, pois que deslizando pelo fio da vontade deves conservar a vontade apenas o necessário, o necessário para não esquecer de ‘gradar’e não esquecer a razão maior pela qual escolheu ‘gradar’ epistemologicamente em vez de gradar em corpo e vida e flanações undergrounds. Se vou?, sim, que vou, que fui, que irei. O importante é gradar do berço à morte.
*lembre de respirar: inspire, expire, grade! inspire, expire, grade!
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ah, Schopenhauer!, mas e a vontade aos livros, esta pode, sim?, afinal você fez isso durante toda sua vida, enquanto Napoleão conquistava o mundo, você filosofava tranquilamente, contam os seus biógrafos; cães também podem sim?, que eu sei que você teve um como seu melhor amigo durante anos e anos; contato com hegelianos, sei que não, ok, dissidentes tampouco?, ok, ok, mas se eu começar a sofrer de ataraxia, irei apenas colocar o meu coração a nu e: como os poetas, pensar e escrever gradando para um lado, como os mortais-boêmios, degradando para outros ‘lados’, e creio que no final de tudo ninguém entendeu como é que era para se viver a dialética, sim? Ou seria a vontade!? Ou apenas um coração em descoberto? Era assim que era para vivermos mais felizes? Penso que Baudelaire entendeu como a vida deveria ser vivida, mas ‘gradou’ só para ele, enquanto colocava seu coração a nu degradando a todos que encobriam o que chamam de nobre e belo coração.
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A minha melhor vontade schopenhauriana é colocar meu coração a nu, mas eu ainda não aprendi a gradar para o lado 'certo' da vida. Ainda mereço um bichinho de estimação e alguns livros e sei que vou enfim descobrir meu delicado e nobre coração.
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de sandra para o escritor underground, dândi que grada para o lado 'certo' da vida
(inspire, expire, grade!, inspire, expire, grade!)