terça-feira, junho 09, 2009

Im_pele, o quê?

É possível algum tipo de escrita sem impelir ao movimento?, movimento mental, sensorial, de percepções, sentires, dizeres em nós mesmos, é possível? — pergunto a ele, dizendo, ‘aqui ficaria tudo mais charmoso com as tuas respostas de rara inteligência.’
*
Porém, o primeiro movimento dele é sempre o mutismo e o silêncio. Neste movimento penso, ‘como posso chateá-lo com tantos afagos dos dizeres meus se os penso para ele?’ Sustos me impelem à escrita. Ele disse ontem, 'a escrita é feita de ‘fantasmas’ e, depois de uma aparência nebulosa daquelas que prometem dissipação, principiam a se definir e cedo se mostram com aparência visível, estridentemente luminosa.' Seu segundo movimento sempre fala do que as coisas são feitas ou do que elas parecem ser feitas para depois se mostrarem mais perto do que são. Neste movimento sinto, ‘como posso deixá-lo assim tão cético, às vezes cruel, com desejos meus se os sinto para ele?’ Seu terceiro movimento é um leve arquear de sobrancelhas, um meio sorriso de canto, um olhar se desviando para ‘fora’, sem mais palavras, ele fica como se fosse só pensamento. Neste movimento dele, me sinto eu assim como criança a esperar hora certa de brincar. E ele não curte crianças, ‘como posso distraí-lo com os meus falsos ludismos se os invento para ele?, me esquecendo de que seu movimento é sério demais para isso?’ Às vezes me acusa-perguntando: ‘brincando de novo com coisas tão sérias?’ É o seu quarto movimento, o do perguntar. O meu nesse instante lembra Sócrates e Platão com todos os tipos de dialética, tento me salvar pela dialética com a resposta, mas ela nunca ‘cabe’ no seu movimento certo. Devo ser uma sofista à moda antiga, e penso que é pior ser sofista dessas que ainda acreditam em amor que ser sofista convicta. Tento um novo ludismo, que não é nem falso nem ludismo, é outra coisa, mas ele finge não ‘ver’. Tenho a sensação de que ele sabe o que eu vejo e sabendo disso teima em ver diferente para alterar minha ‘visão’. Insisto:

‘hoje me passou algo insano pela mente, sabe aquelas pesquisas sobre escrita?, fiquei pensando no que você pensaria, como é meio insano não faz diferença eu explicar de onde as perguntas surgiram’, digo isto a ele que é para manter a aparência de falso ludismo, continuo: ‘mais ou menos assim, um texto impele ao movimento, ok?, movimento mental, sei que parto de um forte pressuposto-afirmação, mesmo sendo dessa forma, se eu perguntasse para você: é possível um texto, por menor que seja, um parágrafo que fosse, não impelir a algum movimento do pensar*? (*pensar como tudo que somos, sensações, percepções, etc) Se fosse possível como seria esse texto? Se, é impossível, por que é impossível? Se, é impossível, tem algo que a literatura não tem força para fazer viver. Vês?, como as palavras têm seu ponto cego?
*
Sinto deslizar em sua respiração o primeiro movimento seguido do segundo, sabendo que ele irá se emaranhar em todos os movimentos seguintes, me preparo para ser a sofista à moda antiga enquanto não me ocorre nada de melhor, quase não respiro, não respiro, sofista em stand-bay, até que ele simplesmente diz:

“quer transar?”
(esqueço a pesquisa sobre a escrita, as perguntas insanas, os mirabolantes falsos ludismos, esqueço que sou sofista às avessas, nem lembro mais do ponto cego das palavras, da redução ao absurdo que acabara de jogar para cima da literatura, e com um beijo úmido, beijo que im_pele à vida e ao seu movimento, sussurro:

“vem?”
*
sandra ádria_na