quarta-feira, maio 17, 2006

Merlim Corta os Cabelos Como Fédon


O Sonho: Anna encontra Merlim com os cabelos cortados. Ele pára na sua frente e ela pega o seu rosto entre as mãos, pergunta a Merlim extremamente surpresa: mas por que fizeste isso, Merlim? Por que razão cortaste os cabelos? Não devias, teu ar 'cigano'... teu ar cigano não era só charme, tem a ver com "outros" tempos, outras vidas, tantas outras coisas, não podias ter feito isso. - enquanto reclamava Anna percebe no rosto de Merlim a maciez, ele estava tão suave. Merlim, escutou em silêncio, sentiu as mãos de Anna em silêncio, ouviu suas palavras em não-silêncio, então, relembrou a ela a passagem em que Fédon, discípulo de Sócrates, corta os cabelos como prova de tristeza por causa da morte de Sócrates que será ao amanhecer do dia. Anna olha, olha & olha & não entende de que tipo de tristeza Merlim fala, não entende qual a morte representada pelo corte dos cabelos. Ela pensa, enquanto observa o rosto que agora lembra maciez & maciez, das "mortes" metaforizadas pelos poetas & filósofos, lembra que amam criar metáforas para o inexplicável dar a impressão de que pode ser explicável, lembra que um rosto macio não é propriamente de um filósofo, talvez de um poeta, talvez. Vida-metaforizada é sempre mais complicada de ser abstraída?, ou sentimos a metáfora ou pedimos sua partida, sabemos já de antemão do não-entendimento-real que as acompanha. O explicável pelas metáforas tem pouca proximidade com o momento original de seu autor, é uma explicação verdadeira para quem olha de fora e feita ficção para seu real surgimento. Deve ser a parte lúdica da Vida, afinal Ela tem este direito tanto quanto todos. Anna continua tentando entender o feito de Merlim, seus cabelos tinham existido para ele como uma metáfora? De repente ele diz:

- Mas, és apenas uma menina & isso não pode ser.
- Ora, Merlim, que importância tem aquilo que parece-ser? Nem tudo que se desvela é o real, o erro da fenomenologia é confiar demais em tudo que pensa que "vê", parece querer descontar o que a humanidade denegou em sua história como se os humanos que fizeram parte de tais épocas pudessem ainda agradecer por tais atos. Não é meio insano isso, não?
- Não seja cínica, Anna, responde ele com aquele olhar seco. (Mas Merlim não tinha o olhar aquoso?) Tudo tão pleno de metáforas & só desejava saber a razão pela qual havia cortado os cabelos! Ele segue dizendo, a confiança é realmente algo dificil, não deves atacar a fenomenologia com argumentos tão infantis, Anna. Onde já se viu afirmar que confiamos em tudo que pensamos só porque confiamos que tenha se desvelado diante de nossos olhos? Não é bem isso e sabes disso. Não sejas injusta. Ela insiste: só desejo saber porque se vestiu de Fédon e acabou com os cabelos ciganos, não me interessa os excessos da fenomenologia, não vejo magia no século XX, vejo mortes diversificadas.
- Pois então, responde Merlim, cortei, não por Sócrates, mas pelo século XX, não vives dizendo que a Filosofia do Século XX matou um bocado de vida-verdadeira?
- Ora, estás sendo mais que irônico agora, diz ela, mas ainda observa a maciez inesperada de seu rosto.
- Irônico, não, Anna, lúdico, estou sendo verdadeiro & lúdico, esqueceu que as crianças são mais confiáveis que os adultos? Pois estou eu me sentindo como um menino, estou confiável como uma criança diante do mar.
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Tudo isso só por causa de uma tesoura aparando fios de cabelos meio ciganos, meio vikings, mas será que ele não conseguia ver de onde viera? Não sentia os outros tempos? As outras esferas? Será que não via? Não, não via, os exemplos que dava sobre a vida, repletos de metáforas, comprovavam o quanto acreditava em tudo que se "desvela" pelo olhar e pelas palavras. Sentiu o corte dos cabelos de Merlim em seu coração cínico de menina não-cínica, um corte caminhando ao lado de um rosto macio fazia de Merlim um Fédon às avessas, indisciplinado & atrevido que estava mais para um dos poetas malditos que para diálogos platônicos, lembrava Dylan, Onde Outrora Fluíam As Águas De Teu Rosto, Erguiam os Cabelos, o árido vento a navegar Através do Sal. Invisíveis, tuas marés rumorosas Irrompem.Ali, ao redor de tuas pedras, flutuam As sombras de crianças que, do fundo de seus abismos, Gritam à beira de um mar."
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A magia que Merlim não "vê" faz surgir de seu rosto macio vida-metaforizada, não é mais uma criança, somos ambos "sombras de crianças", a diferença está em gritar ainda "à beira de um mar" sem que se esteja no fundo de abismos antes conhecidos, abismos Onde Outrora Fluíam As Águas De Teu Rosto.
"Até que morram todas as nossas crenças no mar."
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sANdrA & Os Encontros Com Merlim Por Esferas Outras_ "Até que morram todas as nossas crenças no mar"
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Poema de Dylan Thomas. "Onde Outrora Fluíam As Águas de Teu Rosto"