sexta-feira, abril 13, 2007

Estorvo_ "Como quem apaga alguma coisa"

"À Flor da Pele" 2_

Estorvo 16 & 17. Nessa passagem o
personagem-narrador oscila em seus pensamentos sobre o que será o dia que sua irmã terá pela frente. Ele toma o café da manhã na casa de sua irmã, ele observa e abstrai o que ela "talvez" fará, o "pode ser que ela...", há uma alternância do possível a ser vivido naquele dia_ entre "talvez" e "pode ser que"_ a ocupar seus pensamentos numa passagem da obra de difícil definição. Não encontrei uma forma do "dizer" que me desse a sensação de estar próxima do texto, fiquei eu também no "talvez" eu esteja pensando isso, pode ser que eu desejasse dizer aquilo, o fato é que a passagem provoca sensações semelhantes às do pensamento do narrador. Se de um lado há a observação, que a princípio soa lírica pelo uso das expressões a marcar o modo como se forma o raciocínio do personagem, isto é, embora exista um elo com a realidade muito presente, ele está sentado ali, diante da irmã, ele a observa e pensa o tempo todo, ele vai pelo "talvez", ele vai pelo "pode ser que...", de outro lado há um forte lirismo indo em direção às negações e a incerteza: "não sei se ..." "também não sei se..." é como se os pensamentos flutuassem em hipóteses do que pode ser e do talvez não seja, "não sei se...", como se ambas as formas de percepção desejassem dizer e ao mesmo tempo não dizer. O autor diz nessa parte: "mas a maneira [...] de retirar a palma acariciando a toalha, como quem apaga alguma coisa e diz "esquece", poderia ser uma analogia com a maneira de como o seu pensar se movimenta, como se ele "retirasse" seus pensamentos na forma-em-si e no instante em que os elabora. O personagem os acaricia com o lirismo das possibilidades que vai junto com a percepção para em seguida, quem sabe, realizar um movimento inverso "como quem apaga alguma coisa", e elevando-o um pouco mais, vê-lo, em si e por si, pronunciar "esquece", pois o pensar dado no movimento do lírico, do talvez, do pode ser que... dá-se numa esfera a implicar a possibilidade do esquecimento. É como se houvesse ali o conforto existencial do personagem em tantos & tantos pensamentos não-confessados, ele os possui somente para si e nesse para-si o lirismo o absolve. O lírico a absolver os estados poéticos do personagem-narrador? "Talvez". Quando a irmã se retira ele continua à mesa do café, ele pensa: "fico desequilibrado, sozinho naquela mesa oval, olhando o mel..." A sua observação perde o contato real da presença da irmã, precisaria de sua presença para o movimento do esquecer? Lembro de uma frase que escrevi há muito tempo atrás num conto ou fragmento, pois já eu também não me lembro, dizia: é preciso esquecer de si para abstrair, em outras palavras, é preciso lembrar do outro para abstrair? Seria necessário, assim, esquecer ou lembrar da presença do outro para "apagar alguma coisa"? Ainda uma passagem plena de poesia & belíssima: "E eu me pergunto, quando ela sobe a escada, se não é um corpo assim dissimulado que as mãos têm maior desejo de tocar, não para encontrar a carne, mas sonhando apalpar o próprio movimento." O personagem apalpa o movimento de um pensar ora dissimulado para si, ora lírico em possibilidades, às vezes vivo em percepção & talvez dissimulado no movimento do esquecimento? Pois, não será um pensamento assim dissimulado aquele que se tem maior desejo de se 'tocar'?, sonhando, desse modo, apalpar o movimento-em-si? Fosse isso perceptível ao se tentar "retirar" o pensado, haveria nele o toque como carícia? Penso ainda, talvez, no conforto-existencial do personagem em sua forma de pensar, penso ainda, talvez, no não-conforto existencial que o acompanha em toda a narrativa. "Pode ser que" sua busca tenha sido uma espécie de "eterno retorno" de incessantes retiradas de pensamentos, esperando, pode ser que seja assim, um toque a dizer: esqueça do "esquece" & sonhando apalpar o próprio movimento buscará às vezes a absolvição do pensado pronunciando, talvez, talvez, talvez.
sANdrA