domingo, maio 31, 2009

Parte III. "A distância entre a intenção e o gesto"



Buscar uma palavra que me diga naquilo que foi sentido num muito antes do instante de dizê-lo/dizer-me é sempre um a posteriori de signos perdido no tempo. E aqui, não tem ninguém equivocado, só eu, com as palavras-explicadoras que surgem depois, posteriormente. Para confortar com explicações formais, forma de substituição. Escrever é sempre substituir vida, é assim que vejo a literatura, a filosofia, a escrita, a fala, o mundo girando nessa bagunça em que há muitos dizeres, milhões deles em cada átimo, a escrita é sempre tardia e substituidora de vida. Por isso amo os cães, eles não sabem substituir vida. A literatura seria então maldição ou salvação à vida substituída? Que sim, que não, lembrarei sempre da distância entre intenção e gesto, a intenção da substituição e o gesto que o realiza: a escrita, o escrever, o dedilhar de signos. Senão existisse música o mundo seria mais doente e equivocado, o som de um órgão, como em Migala, nos faz mesmo desejar: “queria que alguém entrasse em minha vida como um pássaro entra por uma janela causando caos e destruição...”, na música pedimos tudo porque até mesmo o desejo de caos, o já substituído em palavras, será outro que não aquele do caos vivido. A música fala de uma espécie rara de substituição e todos amam este tipo de substituição e não se importam com as diferenças de gestos porque qualquer que seja tem o poder imenso de diminuir a distância que canta. Ele me confessou, lá as palavras não explicam a vida, é de outra coisa que falam, me advertiu o profeta. Voilà! Que espero demorar para passar lá, curiosidade substitui vida em formas outras. Wittgenstein substituiu assim o seu viver: “os limites de minha linguagem são os limites do meu mundo.” Substituí assim em minhas distâncias particulares: os limites de minha linguagem são os limites de minha substituição de mundo, por isso eu creio, se não tiver vivido terei pouco a substituir, muito pouco. Para alguns quase nada. Para outros, quase tudo. Para os que amam: tudo. Para os poetas que sutilizam a vida em argilíneas, tentaremos substituir a vida que há em seus versos numa outra distância e num outro gesto, que gesto de poesia é contundente em anunciação de imagens. A substituição pertence aos concertos que falam de solos em aves em céu aberto em versos argilíneos onde nome algum diz. Nome que argila não substitui vida: aumenta.
* de sandra para todos que 'argilam' em seu viver