Havia no sonho imagens de céu, mas você não estava dentro do céu, nem tampouco fora, simplesmente se encontrava em terra firme. Acontecem algumas coisas tumultuadas até que a gente se aproxime, nem esforço meu, nem tampouco esforço teu, meramente um ponto de convergência que se concretiza num momento, chegado até ali pela continuidade da vida, do cotidiano. O cotidiano é, para mim, o conceito de tempo, o medidor do tempo, é com o cotidiano que o mundo tem seu tempo dado. Platão diz que o tempo é a imagem móvel do movimento (eternidade). Lindo. Nada de estático. Então a aproximação foi 'dada' porque o tempo-cotidiano assim desejou. Nem eu, nem você, nem o desejar, apenas o tempo-cotidiano com suas linhas de continuidade, o destino. Há quem pense no destino como aquele que traz sempre algo de especial, não há quem nunca tenha pensado que o destino traz algo preparado pela Vida ou que a vida de uma pessoa andou de tal forma durante anos e anos até que culminasse naquele instante-destino. Por que o destino não poderia ser o instante a quebrar o tempo-cotidiano?, por que não haveria de ser uma ironia da Vida para quebrar o tédio da própria Vida?, por que não seria o lado lúdico do viver sem nada de preparado a priori? Assim: destino tornado espontaneidade. Você olha para mim bem de perto, firme, fixo, sério e diz: Quebraste todos os meus espelhos, todos. (Insiste no "tu" no lugar de "você", que é para soar com uma distância segura). A acusação não faz sentido para mim e é o teu jeito frio que obriga as palavras a soarem acusativas. Toda frieza julga. "Mas aquilo que a gente julga (não) é sempre passado?" Ofereço algo num prato branco que não distingo o que seja. Recusa. Recusa silencioso e continua parado, em pé, no mesmo lugar, talvez ainda julgue o passado. Ora, é perigoso permanecer por muito tempo no mesmo lugar, penso. Não tenho a menor idéia de nada. O pássaro à sua frente se debate contra a naturalidade própria de voar em contraponto com a reclamação de que eu havia quebrado todos os teus espelhos. "Desejo. E quero bem. Ela lê." Desejo. E quero bem. Ele lê. E os personagens que habitam nossas noites são os hóspedes eventuais da espontaneidade a quebrar um cotidiano invisível: é a mão do destino quebrando o tédio noturno veloz como o Albatroz de Baudelaire, que também luta com a própria naturalidade de sua natureza. Este tipo de destino passa como uma brisa e em toda sua suavidade lúdica, às vezes, quebra. Não estou me defendendo do julgamento. Eu não curto o conceito de destino que há nos livros: sina, carma, darma, escrita dada do viver. Meu destino: sopro, brisa, instante que sai do nada para o riso brando como o vôo de um Albatroz.
[Eu fui criança. Ele também. Brincava de caminhar com o espelho virado para cima, meus passos pareciam que iam dar no vazio, no abismo, no nada. Brinquei cedo com espelhos. Mas eram os meus.]
sANdrA [... soporizada]
obs.: "nem tampouco", repete a negação duas vezes com palavras diferentes, não é correto, mas aqui isto não tem importância. Aliás, a tautologia é tudo de bom.