domingo, junho 29, 2008

Quebraste todos os meus espelhos

Havia no sonho imagens de céu, mas você não estava dentro do céu, nem tampouco fora, simplesmente se encontrava em terra firme. Acontecem algumas coisas tumultuadas até que a gente se aproxime, nem esforço meu, nem tampouco esforço teu, meramente um ponto de convergência que se concretiza num momento, chegado até ali pela continuidade da vida, do cotidiano. O cotidiano é, para mim, o conceito de tempo, o medidor do tempo, é com o cotidiano que o mundo tem seu tempo dado. Platão diz que o tempo é a imagem móvel do movimento (eternidade). Lindo. Nada de estático. Então a aproximação foi 'dada' porque o tempo-cotidiano assim desejou. Nem eu, nem você, nem o desejar, apenas o tempo-cotidiano com suas linhas de continuidade, o destino. Há quem pense no destino como aquele que traz sempre algo de especial, não há quem nunca tenha pensado que o destino traz algo preparado pela Vida ou que a vida de uma pessoa andou de tal forma durante anos e anos até que culminasse naquele instante-destino. Por que o destino não poderia ser o instante a quebrar o tempo-cotidiano?, por que não haveria de ser uma ironia da Vida para quebrar o tédio da própria Vida?, por que não seria o lado lúdico do viver sem nada de preparado a priori? Assim: destino tornado espontaneidade. Você olha para mim bem de perto, firme, fixo, sério e diz: Quebraste todos os meus espelhos, todos. (Insiste no "tu" no lugar de "você", que é para soar com uma distância segura). A acusação não faz sentido para mim e é o teu jeito frio que obriga as palavras a soarem acusativas. Toda frieza julga. "Mas aquilo que a gente julga (não) é sempre passado?" Ofereço algo num prato branco que não distingo o que seja. Recusa. Recusa silencioso e continua parado, em pé, no mesmo lugar, talvez ainda julgue o passado. Ora, é perigoso permanecer por muito tempo no mesmo lugar, penso. Não tenho a menor idéia de nada. O pássaro à sua frente se debate contra a naturalidade própria de voar em contraponto com a reclamação de que eu havia quebrado todos os teus espelhos.
"Desejo. E quero bem. Ela lê." Desejo. E quero bem. Ele lê. E os personagens que habitam nossas noites são os hóspedes eventuais da espontaneidade a quebrar um cotidiano invisível: é a mão do destino quebrando o tédio noturno veloz como o Albatroz de Baudelaire, que também luta com a própria naturalidade de sua natureza. Este tipo de destino passa como uma brisa e em toda sua suavidade lúdica, às vezes, quebra. Não estou me defendendo do julgamento. Eu não curto o conceito de destino que há nos livros: sina, carma, darma, escrita dada do viver. Meu destino: sopro, brisa, instante que sai do nada para o riso brando como o vôo de um Albatroz.
[Eu fui criança. Ele também. Brincava de caminhar com o espelho virado para cima, meus passos pareciam que iam dar no vazio, no abismo, no nada. Brinquei cedo com espelhos. Mas eram os meus.]
sANdrA [... soporizada]
obs.: "nem tampouco", repete a negação duas vezes com palavras diferentes, não é correto, mas aqui isto não tem importância. Aliás, a tautologia é tudo de bom.