quinta-feira, junho 11, 2009

"o sábio só ri ao tremer"

"O sábio só ri ao tremer"*
O cronista não sei se ri.
Kierkegaard temorizava e tremia.
Cada um tem seu jeito e sua hora do riso.
*

Ele é inabalável. Ela abaladiça, vacilante, frágil. Logo ela só ri ao tremer. E ele só ri por atrevimento, é quando a imperturbabilidade se anima. Ânima, alma, vida. Será que ele já tremeu alguma vez? Assim, vacilante e frágil e ainda rindo?
Uma vez, começou sorrindo. ‘Mas não me vem a imagem em mente, ela existe, mas não consigo trazê-la de volta. Sabe a tabula rasa?, assim como seus beijos distantes’, eu disse a ele, e continuei: ‘e aí nunca mais saio do mar, nunca mais, você sabe.’ Ele sabia, até demais, nem sabia porquê e como sabia, só sabia que não é como o sábio que só ri ao tremer, ao tremelicar.
‘Descreva a cena, vamos!’
‘Mas que não posso, ainda tremo’
‘Então não é possível, abstraia-se de si mesma, sinta-se distante de si e descreva’.
Eu tremo mais e mais e agora já não me sinto tabula rasa, sou toda tremor, mas meu tremor também é vacilante e frágil.’
‘Pare de repetir estas palavras e esqueça essas esquisitices’, ouço ele me dizer, ‘pense na cena, só na cena, e agora a descreva’.
Beijo. (beijo não-distante)
Ele corresponde.
Meu beijo ri, meu beijo treme. Minha tabula rasa se transforma numa grande orgia de risadas, risos, sorrisos, orgia que treme, temoriza e tremelica.
Sinto o seu beijo tremer, um tremor lento, suave, cálido, que vai aos poucos me lembrando do não querer mais sair do mar, nunca mais.
Absolve-me de descrever cenas. Agora ele que ameaça com o mar: ‘e aí nunca mais saio do mar, nunca mais, você sabe.’

Sabia,
Um dia fomos só-palavras, mas isso foi antes, num muito antes. De um tempo para cá estou inabalável, imperturbável. Ele, depois do meu beijo que ri, é que passou a tremer, ser vacilante, frágil, sensível. Agora ele só ri por beijos sábios, ameaça com a cena do mar: ‘olha que eu nunca mais saio do mar, nunca mais, você sabe!’
Não sabia,
Apenas beijava. Porque um dia fomos beijos distantes, mas isso foi antes, num muito antes. De um tempo para cá nossa melhor descrição é a do sábio que só ri ao tremer.
E ele se tornou muito atrevido: porque aprendeu a tremer agora já pensa ser sábio e quase-pescador.
Pois sim,
Cronistas riem, mas são tão complicados.
sandra ádria_na
*frase de Baudelaire