domingo, abril 26, 2009

"Amavisse"

Ele escreveu dizendo que iria almoçar na casa da avó. Avó?, mas ela não havia falecido no ano passado? Almoçar no cemitério não estranharia. Seria capaz de viver qualquer situação onde visse poesia e ele sempre veria poesia em quem amasse. Amavisse. Houve sim imagens de amavisse noite dessas, rascunhadas, grifadas, alteradas, idolatradas, sonhadas por ele. Ele, nunca diz seu nome em um, se diz em vários. Que é para me confundir. Terá ido almoçar no cemitério e, feito mania de poeta, escrito com giz nos túmulos outros? Poesias, amavisse? Amavisse, talvez haja escrito. Ou azulescente ou leggere ou fragilitá ou pode ser que esteja fazendo uma ária para ádria como que refazendo águas. Amavisse. Que viu ontem a liberdade é azul e alguma coisa dentro dele-de-mim azulesceu. Amavisse. Ele foi almoçar com a avó amavisse. E se a visse por aí diria: ama. E agora lembro, sua avó tem relação com o fato de eu estar amavisse com as crônicas. Ele disse em uma certa noite, "ádria tem beleza antiga", me senti antiga para outras coisas, sou antiga no que leio (Platão e os antigos, o valor do pensamento e a magia da metafísica), os russos (os abismos, todos os abismos) os de antes muito antes e ainda os de antes do antes, leio os mortos, é confortável, amavisse, Hilda. A minha exceção era Chico Buarque, mas agora ando lendo outros escritores adoráveis, amavisse. Sou antiga para escrever, sabe o lirismo?, é só fazer analogia entre lirismo e vida noturna, tem lugar para ele?, digo, nós, eu e o lirismo? Não, amavisse. É por causa disso, por ele me olhar assim antiga que decidi escrever crônicas, mas se eu for anacrônica, óh, amavisse, eu não conseguirei. Amavisse. Ele foi almoçar na casa da avó. Amavisse, eu e ela somos antigas, cada uma a seu modo. Amatus esse.
de ádria para cês
[Amavisse, Poesia de Hilda Hilst]