quarta-feira, setembro 21, 2005

o instante

Estava dançando.
Estava pensando.
Pensava sobre o ressentimento manifestado pela maioria das pessoas em relação ao que viveram. Lembrei de Nietzsche. Possuía uma profunda aversão ao homem de ressentimento. O meu instante de agora é uma tentativa de reproduzir o caminho de associações feito pelo meu pensar enquanto dançava. Então, penso que o hábito de ressentimento tem a ver com um passado de lembranças mal compreendidas em relação ao outro. Uma recíproca de inversão, ainda que tardia, seria suave ou simplesmente vida. A filosofia deveria começar por esta palavra: simplesmente, o modo de ser do existir. Voltando à recíproca de inversão, se não foi feita no instante vivido e continuou como instante-futuro de lembranças conduzidas pelo ato de ressentir-se, então, não é tarde, nunca é, para resignificar tal momento através de uma recíproca que implica em um deslocamento longo. O problema que vejo aí é que é um resignificar solitário. Como dizer ao outro? O primeiro ponto de vista_ aquele que "condena" o outro como sendo sempre o culpado por palavras não-delicadas, não-queridas, não-nunca-bem-vindas, e logo a seguir o outro ponto de vista_ aquele que confessa a mudança de uma representação de sentimentos & imagens & pensamentos arrastados junto com a própria existência fazendo de sua história particular de vida algo lamentável. Como dizê-lo ao outro? Isso também me lembra Hegel e o espírito absoluto: se vamos sendo arrastados pela história da humanidade, independente da Vontade Schopenhaueriana, logo, nada deveria ser repensado ou resignificado, pois nada seria diferente do que é. Ou sim? Que algum hegeliano me explique novamente o livre-arbítrio da possibilidade de escolhas determinado pelo seu "arrastar".
A vida poderia ter sido bela para algumas pessoas durante muitos instantes e isto faria uma diferença que as assustaria pois haveria a felicidade e elas correriam o risco de sentir que amam a vida, simplesmente, sem recorrências do tempo perdido de uma finitude que não poderá jamais estar-aí. Cuidar o instante em que se está é o modo de viver intensamente sua própria existência_ sim, esse é o modo da intensidade viver. Não se precisaria, muito mais tarde, um esforço existencial de resignificar-se através de uma recíproca de inversão tardia em distantes deslocamentos longínquos que teriam como consequência um abstrair-se de um instante presente para compreender um instante passado.
Esse é o mesmo preço das abstrações filosóficas, insisto nisso, enquanto pensamos em nossas filosofices a vida está a passar junto com instantes que, quem poderá saber?, nos fariam sorrir e substituir o nome de filosofia por "simples-mente", modo de ser do viver.
Por isso também insisto, os filósofos de gabinete são os que mais têm medo de si mesmos. Dê-lhes um instante inesperado & surpreendente e eles ficarão com as faces vermelhas, irão gaguejar, olhar para o nada e muito provavelmente cair no silêncio, não saberiam como viver tal momento. Os literatos estão mais próximos da vida, embora suas abstrações, porque sua fonte de inspiração é, na maior parte das vezes, a própria vida, eles são sábios na escolha daquilo que suas mentes buscam, enquanto que os filósofos partem do teórico para imaginarem como seria viver na realidade aquilo que estão a ler e se chegarem a viver já estarão tão cheios de hipóteses que elas os atrapalharão pois permanecerão muito muito tempo pensando em qual seria a melhor escolha em atos e palavras para tal instante. mas enquanto estão "nessa", o momento vai passando. E agora? Já passou e é melhor ficar mesmo só com as hipóteses. O agora já passou. Não brincar com o seu próprio tempo_ nem interno nem o linear onde todos circulam com suas escolhas, talvez seja a porta aberta para o modo de ser da vida.
sandra ádria_na & as comparações a partir de uma divagação sobre o ato do ressentimento.
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na verdade só desejava dizer que o olhar do instante é o mais precioso que possuímos e quem consegue viver desse modo sem cair no clichê de "aproveitar a vida" torna-se admirável pelo olhar do meu instante.
(castorp sabe dessas coisas & anna adora isso)