sexta-feira, maio 19, 2006

"Disse A Ela Um Dia Chorando"

És a porção de minha vida e do meu cálice: tu sustentas a minha sorte. Teu olhar por trás do teu-olhar cai-me em lugares deliciosos: sim, coube-me uma formosa imagem de tua respiração no dentro-de-mim & de meus lábios no dentro-de-ti. Em esferas-outras tu me ensinas à noite e não sabes que o fazes. Portanto, está alegre o meu coração. Far-me-ás ver a vereda da vida; na tua presença há abundância de alegrias. Soa a voz em segredo: porque os lábios da mulher estranha destilam favos de mel e o seu paladar é mais macio do que o azeite. Há uma espada de dois fios, mas ela não a vê, não pode ver a espada de dois fios porque ela não pondera a vereda da vida, sua caminhada é longa, variável e não a conhece. Andarias atraído pela estranha? Se deste a tua mão à estranha & enredaste-te com as palavras precisarás ainda levantar-te do teu sono? Ele pousando, ela lhe dirá: fui contigo por onde quer que foste e fiz para ti um grande nome como o nome dos grandes poetas que há na terra, como os versos dos grandes poetas que há na alma, "de seres alma e sangue e vida em mim". E quando vieres dormir em casa, aqui chegando, ouvirei de tua voz as mesmas palavras já ditas outrora à "estranha":
_ "Vamos afirmar que nesta história ninguém morre. Disse um dia a uma linda menina de vermelho."
_ A dor tira as certezas sobre a vida. "Um dia a menina disse."
_''De um país de onde nunca, nunca se volta. Contei-lhe um dia."
_ Não pensas em morrer não é mesmo? "Uma noite, me perguntou a menina."

_"Sem muito te saber eu já nos choro.Disse a ela um dia chorando."
A menina de vermelho, com olhos de estranha, foi andar à beira-mar, a casa dos poetas, às vezes visitada pela estranha menina de vermelho que fica em pé em frente às águas a pedir à alegria: me tire as certezas sobre a Vida. E sorrindo para o movimento das ondas lembrou do país de onde nunca se volta, lembrou que isso lhe foi um dia revelado por um poeta especial, lembrou da felicidade desse dia que no mesmo instante fez com que esquecesse a existência do país de onde nunca, nunca se volta. A menina de vermelho não conseguiu mais esquecer o que um dia lhe foi contado: o não-saber impele o choro, impele o "seres alma, sangue e vida em mim".
sANdrA & A Poesia de César Flaubert
*em branco, partes de salmos *em vermelho, versos de César Flaubert *em verde, sANdrA
"De seres alma, sangue e vida em mim", versos de Florbela Espanca
"No dentro-de-mim", expressão de Angelus Silesius, místico medieval.