quinta-feira, julho 10, 2008

Poetas inventam adeus, regresso e novo adeus

Diferenças sutis entre Poetas e Pescadores http://olhares.aeiou.pt/as_portas_do_horizonte_/foto1951231.html
"...queria voltar para casa com o balaio cheio de peixes, dia bom no mar. e mesmo sendo noite, não haveria cansaço. o cheiro do café, uma meia luz da lua e você a me esperar para contar que longo dia foi mais um dia enquanto o mar não devolvia o seu pescador." (c_f)
Alguns pescadores não se arriscam em alto-mar, eles precisam sentir a proximidade da terra úmida, ter na terra aquosa o ancoradouro para seus movimentos; alguns pescadores não se arriscam a navegar à noite, devido a imensa escuridão necessitam de luz, ainda que tênue, para guiar seu olhar em movimentos sempre repetidos; alguns pescadores também não vão ao longe, querem sempre ver terra depois da água, ainda que morram afogados em água irão proferir: - terra, terra, terra, terra, mas ela era ar, eu era terra, não havia água entre nós a não ser aquela, a inventada, que é a mais difícil de guardar e atravessar, pois transborda mesmo com o vento que vem de mansinho. O poeta inventa viagem por capricho, o pescador inventa porque lhe é vital. O poeta inventa regresso por diversão, o regresso do pescador aura e ciclo e vida. O poeta inventa saudade para ter mais versos, quase vaidade. O pescador não inventa saudade de mar porque o mar é como se fosse sua respiração, ele é mar. O poeta apenas pensa que tem sido. O poeta não sabe ainda o que a ele é vital, busca e o faz como quem joga redes ao mar (com os pés úmidos de terra). Mas ele ainda não aprendeu como se tece uma rede. Tecer, te_ser.
sANdrA
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O Poeta Inventa Viagem, Retorno e Morre de Saudade
[
Hilda Hilst]

"Se for possível, manda-me
dizer:
- É lua cheia. A casa está vazia -
Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto, e mais recente
Me há de parecer teu rosto
incerto.
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite. Se é
verdade
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das
marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados,
manda-me dizer:
- É lua nova -
E revestida de luz te volto a ver."

(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - O Poeta Inventa Viagem, Retorno e Morre de Saudade - I ) (fotografia de Isaurinda Brissos, em http://olhares.aeiou.pt/