sábado, maio 30, 2009

Parte II. " A distância entre intenção e gesto"

*
Eu sou tola pelas palavras. E com isso me estrago em minha tolice. Eu preciso ser tola pela vida. Um dia eu já fui. Eu desejo sempre uma palavra que seja irmã gêmea de uma sensação, eu gosto de significar signos em cada coisa que vivo. Um dia eu já não fui assim. E por outro lado sei que palavra alguma nos diz, alguém disse assim, não lembro quem foi, li e ficou em mim. Um dia eu já acreditei nisso: que as palavras nos dizem em tudo e em todos. Eu amo colocar palavras que nos dizem em tudo e em todos. Um dia eu já não era assim. Um dia eu li Trakl, “ficamos sempre pelas palavras”, passei a sofrer de solidão de significados: tola, eu disse para mim, acreditei demais também nas palavras. Um dia eu acreditei assim: que palavras tudo podem- . Depois descobri que elas são sempre posteriores a algo. E isso me aumentou mais em minha tolice, tanto, que eu me senti traída pelas palavras. Um dia eu já fui assim ‘em busca do tempo perdido’. E descobri Proust e pensei que o estrago poderia ser resignificado se eu dissesse o tempo perdido. Mas, então, vi que existe distância entre a intenção de dizer o tempo vivido e o gesto que o anuncia. Um dia eu já fui assim: não percebi distância. Na época eu era tola pelas palavras. Hoje estou por outras coisas.Ando tola pela vida, e com isso me estrago em minha nova tolice.