terça-feira, julho 01, 2008

Ele ama a loucura, mas a uma distância segura

Ele não tinha nenhum amigo filósofo meio doido para me apresentar. Nem meio, nem todo, nem nada. Não-nada de loucura. Ele não queria ser feliz, nem meio, nem todo, nem nada. Não-nada de felicidade. Ele não falava muito tempo com filósofas. Nem meio, nem de todo, nem nada. Não-nada de filósofas. Ele não gostava de coisas unilaterais, 'nunca dão certo', dizia. Ele amava a loucura, mas a uma distância segura. Ele adorava gente doida, mas ele não escreve em tom melancólico. Sei que fica aí um pressuposto de ligação entre melancolia e loucura, é que ele escrevia sobre humor. Ele tem no semblante o humor negro, a tal melancolia, e no texto então escrito, o tal senso de humor. Ele é do estilo "quando chegar, chegou", que é mais próprio dos melancólicos. Diz que faço tour de force para transformá-lo num dândi a sobreviver em meio ao humor negro que não tem. Digo que a teoria de Hume parece sensata: "os escritores falam sobre aquilo que não podem viver", derivo um pouco entendendo Hume pelo lado menos trágico da vida, os escritores falam sobre aquilo que não podem viver da forma como gostariam, todavia se encontra em seu ser. Ele não tem um senso de humor que vai do texto ao empírico. Ele não tem uma melancolia que vai do empírico ao texto. E que ninguém se atreva a vir até ela, nem meio caminho, nem todo, nem nada-não. Ele pensa que senso de humor passa a uma distância segura da loucura e que a melancolia é o fio de prata que a ela conduz. De um riso vivido a um não-vivido o que foi que existiu, viveu, respirou em nós nestes instantes?, que não vimos. Está vendo? Nem humor nem melancolia ameaçam a lucidez. Como nosso olhar é frágil e sem saída, ficamos os dois a uma distância segura da loucura. Eu aqui, ele lá. A melancolia se espargindo pelo mundo. E o senso de humor também. Continuo "vendo": ele ama a loucura, mas a uma distância segura. A sua distância.
sANdrA
[peço desculpas aos passantes das flores do mal pela repetição de algumas palavras, é que a repetição é margem segura...]