sábado, maio 06, 2006

Antigos Manuscritos Para o Poeta "Flaubert"

Ando revendo textos antigos, nem lembrava mais de tê-los escrito & em que circunstâncias. É interessante isso de escrever sob este prisma futuro, de repente abre-se um arquivo e lá tem uma lembrança feito literatura e ainda assim possível de recordar uma parte do que a originou, nem sempre é dessa forma, sabemos, às vezes as derivações surgem de formas-outras & estas formas podem ter origem em "lugares" inimagináveis. O lugar do fragmento que segue é no nada-ver, no nada-nunca-ter-visto, e foi_ em parte_ uma conversa com um amigo cego em uma época em que eu desejava muito saber como eram as imagens no pensamento de uma pessoa que nunca viu nada, se estas imagens existiam, se era possível descrevê-las. Sentia uma tristeza imensa ao pensar que um ser humano pudesse estar privado de seu próprio imaginário porque nunca viu absolutamente nada. Por se tratar de uma derivação a envolver a cegueira & o imaginário dedico este post ao Poeta "Flaubert"_ Qu& o D&us d& Platão Guard& Sua Alma Envolvida &m Paz & Po&sia, creio que ele precisará soltar sua alma aprisionada, soltar para onde quer que tenha ido, talvez venha a encontrar uma nova prisão em um novo lugar. É que ele transpirava um jeito meio socrático-déplacé e dizia sentir o mundo assim porque era poeta. Respondi a ele num desses estados visíveis de socratismo déplacé:admitir, por vezes um não-saber de sensações, uma não-certeza, leva nossos pensamentos a substituir pessoas, músicas, livros, lugares, sentimentos? A Vida se deslocando de um ponto ao outro pelo cansaço existencial da banalidade é que se abria como um caminho-déplacé, não era o seu socratismo o problema. Apenas algumas doses de esperança a menos e outras mais de ceticismo para nos manter dentro do jogo, pisando por sobre "cores", nada mais a nos dizer. Então, imaginei uma cegueira personalizada para cada ser humano, no caso de "Flaubert", a cegueira vinha de um ponto que não pertencia a nossa vontade, mas à Vida, nada a fazer também aqui. Isso me fez lembrar de uma tarde triste de inverno, eu lia sobre os pitagóricos para M., amigo cego congênito para quem eventualmente eu lia lgum texto de filosofia. M., que nunca viu nada; M., que não sabe o que significa horizonte. M., que não pode brincar de ver imagens nas nuvens; M., que não pode imaginar o movimento das nuvens no céu porque não sabe como é a imagem do céu. Se soubesse como é o céu poderia imaginar o horizonte. Nessa tarde-pitagórica ele disse: "a doutrina de Pitágoras é como um jogo de xadrez, assim a imagino: as casas brancas e pretas como ímpar e par, negativo e positivo dos pitagóricos, um tabuleiro de xadrez cheio de estratégias." Disse a ele que isso era muito bonito, perguntei se jogava xadrez. "Não, não jogo, mas gosto de tocar nas peças e na superfície lisa do tabuleiro, eu fico imaginando onde está a linha que separa as cores das casas brancas e pretas, gosto de brincar com a ponta dos dedos sob a superfície: aqui é ímpar, aqui, quem sabe, par. Podemos ser enxadristas na imaginação mesmo quando tudo é invisível aos olhos. Você toca o mundo com os olhos, eu toco o mundo com a pele e com a minha imaginação, o mesmo mundo que você toca com os olhos eu toco somente com a ponta dos dedos, isso faz de meu mundo algo sempre bem próximo, o seu, sendo tocado com o olhar é próximo & distante, não é verdade? Pode escolher como deseja o seu mundo. Pensei: posso escolher meu mundo? Próximo ou Distante? Mas é claro que posso e não posso. Depende de tanta coisa, depende também do meu toque olhando o mundo. Ou seria melhor tocar sem olhar? Disse a ele que eu é que estava precisando ser enxadrista nas artes do coração para saber diferenciar a linha divisória dos opostos, para separar coisas distintas antes de olharmos para mundos que se perdem com o horizonte. Ele riu, disse, "acho que agora compreendo como é um horizonte". Senti pela primeira vez o quanto uma pessoa cega era ao mesmo tempo livre e prisioneira. Livre para imaginar linhas divisórias de xadrez quando desejasse que elas existissem, priosineiro porque o mundo terá sempre a condição da proximidade. Ele pediu para eu ler Cioran no próximo encontro e emendou: será que vou ter que trancar meu coração em Cioran?
Só os que vêem mundos distantes é que precisam trancar o próprio coração. Paga-se um estranho preço pela visão de um horizonte.
*

Amanhã haverá nuvens no céu.
sANdrA & O Mundo de M. _ dificil abstrair um Mundo Destinado Tão Somente À Proximidade