quinta-feira, maio 31, 2007

"Um Altar de Terra" nas Flores do Mal

Dizem que a vida é plena de "dizeres" que não somos capazes de sentir & perceber, dizem que a vida é feita de "sinais", dizem que a vida é embalada por acasos que não são acasos & que o destino pouco diz à Vontade que o contraria. Dizem que esta Ilha tem uma energia inexistente de outros lugares, às vezes creio firmemente nisso porque vivo os "acasos" da vida desde que cheguei aqui de forma adorável. São coisas simples que levamos no coração no instante mesmo em que acontecem e somos capazes de sentir e perceber e guardar, não precisamos perguntar ao destino se há algo que ali o contraria, perguntar aos filósofos se há alguma contradição a ser denegada com veemência lógica, perguntar aos místicos se é preciso agradecer aos deuses jogando flores ao mar ou indagar aos astros: não foi isto um acaso? Nada disso. Hoje saí da Biblioteca com dois livros, um deles, O Mito de Sísifo. Li as primeiras páginas e senti vontade de escrever algumas linhas ao me lembrar da Pedra de Benjamim Zambraia, entro no virtual e me deparo com um comentário de uma escritora, ora, mas que "acaso", fala ela em poesia e em "pedra que salva". Um lindo fragmento em prosa-poética me pega de surpresa quando pensava em linhas camusianas. O mais cruel que há no Mito de Sìsifo é quando vemos o movimento de vida que não se percebe empurrando a pedra para o alto da montanha, não percebe a pedra rolando ladeira abaixo, não sente seus passos se dirigirem novamente até lá embaixo para reencontrá-la e novamente empurrá-la, não sentem na pele de suas mãos o toque repetitivo enquanto seus pensamentos, anestesiados pelo que chamam de vida, continuam a acompanhar os "passos" de um caminho de ida e volta e retorno incessante, deixando um rastro profundo onde nenhum jardim se ergueria pela vontade de Vida. Então, percebi que respeito aqueles que vêem a "Pedra", e sinto uma espécie de comoção. Exaspero-me com aqueles que não a vêem, parecem nunca tê-la visto ou tocado. Essa diferença talvez divida os seres humanos entre uns & outros. Isso, é claro, fez com que eu lembrasse de Benjamim Zambraia, Benjamim & a Pedra, fiquei me perguntando se haveria nele algo de Camus, um sinal, um acaso, um querer-dizer que não contrariasse o seu destino. Foi quando "vi" uma bela imagem, como eu amo esses momentos em que uma imagem aparece inesperadamente diante do meu "olhar", vi Benjamim Zambraia parado lá no alto da montanha enquanto a Pedra rolava ladeira abaixo para mais um retorno da "roda-viva", vi Benjamim Zambraia num instante em que desejava contrariar o seu destino?, parado por um instante, sozinho, no alto de sua montanha e com o corpo meio de lado, a pedra descia e ele olhava furtivamente para o horizonte, furtivamente porque é assim que olham todos que olham pela primeira vez para o "horizonte". Confesso o meu absurdo deste momento, o de ter visto até mesmo a posição de seus pés em sapatos marrons empoeirados, um pequeno absurdo de minha imagem, mas depois imaginei que o fato de vê-lo por inteiro, parado em silêncio lá no alto, significava não tê-lo visto em fragmentos, eu vira até mesmo seu pé esquerdo levemente inclinado para reiniciar a descida. Essa imagem de Benjamim Zambraia torna-se para mim a representação do instante que salva, eis o "sinal", eis o "acaso", eis o átimo de tempo que o "destino" talvez não tenha coragem de contrariar, como poderia? É o "acaso" de um leve olhar a fazer toda a diferença de uma existência? Ainda que Benjamim retornasse para a Pedra e para todo o seu significado e magnetismo que tal esforço possa parecer conter, ainda assim, ele já tera visto o horizonte lá do alto da montanha. Penso agora que se a cada vez que lá em cima estivermos, todos nós cumprindo com o Mito de Sísifo particular e único, e arriscarmos uma olhada para um horizonte que pode ir mostrando faces diferenciadas, então, o alto da montanha revela o "absurdo" da vida descrito por Camus em uma outra face, passa a ser o "absurdo" do eterno retorno que se vislumbra e se passa a desejar lá do alto: veja, a pedra já rolou novamente, agora é a minha vez, mas estou aqui no alto e devo descer, sim, descer, lá vou eu de novo, mais uma vez, quantas vezes isso já não se deu?, quantas?, que não haverei de contá-las, mas vou, a minha força é saber que subirei quantas vezes descerei, sei que volto para o alto e daqui verei, ainda que como um "sinal", um "acaso", uma "profecia", um "destino", verei um pouco mais da vida que me escapa. Com sorte, verei do alto da montanha sempre Poesia, nada mais que Poesia, e é aqui que entra o fragmento tão lindo de Paola, escreveu ela assim: *"A gente se mata poendo, doentes de tanta poesia, única pedra que salva, pintada à lápide, cruzes feitas de lápis, cor na vida, sol enterrado na arte, mãos criadoras a acenar para um deus encenador. Minha dor corresponde à tua chama, convocastes o silêncio, então, vim..." Como diz Camus, "a dor tem suas promessas também" e, quem sabe, a dor dissesse a Benjamim Zambraia: "deverás fazer para mim um altar de terra. Se me construíres um altar de pedra, não o faças de pedras lavradas, porque ao manejar o cinzel contra a pedra, tu a profanarias..." (Ex 20,21-26). Benjamim profanou as promessas de sua dor. Eis, o Êxodo lhe cai bem.
sANdrA & Benjamim Zambraia_ Lá No Alto da Montanha É Que Se Pode Construir um Altar de Terra & em nenhum outro lugar.

*Comentário em Prosa-Poética de Paola Benevides
http://silenciosepalavras.blogspot.com/