sábado, novembro 05, 2005

Exercício lítero-lúdico

Recebi hoje pelo correio uma caixa com vários livros em que cada um trata de um assunto diferente. Um trata sobre viagens pelo mar, distâncias intermináveis de geleiras brancas e a solidão do albatroz, o outro gira em torno da Insônia_ ainda não sei qual é o tipo de insônia_ o terceiro fala sobre a filosofia de Derrida e o quarto, surpreendentemente, traição. Como esta palavra é soturna, de submundos existenciais, dá calafrios, apocalíptica em seu significante ainda que estejamos numa fase tranquila, leve e suave. Fiquei divagando, às vezes as sensações são tão densas que nenhuma palavra teria o poder de interferir em tais sensações, elas nada poderiam nestes momentos; em outros, uma palavra "solta" consegue nos transportar para dimensões gélidas em sua natureza e frias em seu devir, transportar para insônias de vários tipos embaladas ao som da diferença derridaista e então presumo que a ordem em que fui olhando os livros pudesse ela por si só compor um poema com assuntos tão diferentes entre si_ c'est la difference_ e que seria capaz de conduzir o vôo do albatroz para um torpor em que as asas tocando o nada, voassem ainda mais longe e ainda mais perto que a ultrapassagem do iceberg tornando a Insônia algo vão e inútil em sua ultrapassagem porque é neste instante que o silêncio grande envolve o mundo como um buraco coberto de terra e tudo fica então repentinamente pequeno demais_ em palavras ou em sensações, a diferença aqui não importa, não existe propriamente significantes-abstrativos como o são os significantes que provêm de algo mais que real, como a imagem de um albatroz, tornando a diferença entre um significante-abstrativo e um significante-albatroz apenas uma diferença de imagem a ultrapassar coisas como palavras & sensações & um nada mais ver. Este nada mais ver é quando tentamos ultrapassar imagens de significantes-abstrativos que não possuem imagens porque não poderiam nunca ter uma imagem "fixa" como na mente que "olha" para o albatroz com os olhos fechados porque um dia realmente o viu cruzando os ventos. Assim, uma palavra "soturna" só o é por carregar ao redor relações com outras imagens que um dia foram reais, do contrário, não passaria além de alguns signos que dizem alguma coisa através de definições. Sem um viver empírico uma palavra é quase in-significante, fria em seu devir como um iceberg e se tentasse ultrapassar uma distância considerável não passaria de um buraco coberto de terra, inundando a terra com um silêncio grande que envolve o mundo. Este é o real silêncio que existe no viver de muitos, pois como seria possível ultrapassar aquilo que não se viveu?
A condição de possibilidade daquilo que uma palavra envolve depende do viver de quem pretende envolver esta mesma palavra em esferas outras com as diferenças de singulares vivências.
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Gostei desse exercício literário porque sei o caminho que percorri para brincar com palavras e alguns argumentos não-pensados. Fez algum sentido para você? Se fez foi diferente do sentido atribuído por mim pois o meu sentido estava em "ver" apenas o caminho de um exercício-lítero et rien de plus.
sandra & os Exercícios Lúdicos
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Como é fácil brincar com palavras e raciocínios, como isso é fácil. Às vezes penso que chega a ser desonesto a vida pelas palavras_ é um lugar onde vale tudo e tudo é possível porque haverá sempre uma condição de possibilidade para algo se realizar ou se afirmar como 'verdade' ou possível 'verdade'. Vês?, o sofisma de Kant?_ a condição de possibilidade da possibilidade em si mesma, sendo o pressuposto-maior, envolve a Vida em um círculo determinado pelo ser-possível sem que o seja com certeza. Descanso transformado em insônia kantiana, quem dormiria ainda envolvido em tanta condição?