quinta-feira, janeiro 20, 2005

Passagem da Obra Anna karenina

Passagem da obra Ana Karenina_ Tolstoi.
Aleixo, esposo de Ana, descobre que ela está apaixonada por Wronski.
"Da porta do quarto dirigiu-se para a sala de jantar e depois, atravessando o salão às escuras, julgou ouvir uma voz que lhe segredava: "mas se os outros parecem admirados, é porque há qualquer coisa... sim, é preciso acabar com tudo isso, tomar uma resolução..." Aí, olhando a escrivaninha de Ana que tinha um bilhete não acabado, os seus pensamentos tomaram um outro rumo: pôs-se a pensar nela, no que ela poderia experimentar. Na imaginação revia a vida da mulher, as necessidades do seu espírito e do seu coração, os seus gostos e os seus desejos e a idéia de que podia, de que devia ter uma existência própria, independente da sua, chocou-o tão vivamente, que se apressou a repeli-la. Era o abismo que ele não ousava olhar. Entrar pela reflexão e pelo sentimento na alma de quem quer que fosse, era para ele uma coisa desconhecida e parecia-lhe perigosa. (...) Não me reconheço o direito de perscrutar os seus sentimentos, de me intrometer no que se passa ou não se passa na sua alma, isso pertence à consciência dela e é dos domínios da religião."
Quando li essa passagem imediatamente vi Aleixo em recíproca de inversão com os sentimentos de Anna, com a existência própria dela, como ele mesmo se refere. Fiquei um pouco confusa inicialmente porque conforme a narrativa já sabemos que a recíproca de Aleixo está mais que certa, porém, em seguida, ele diz que é algo 'desconhecido e perigoso entrar na alma de quem quer que fosse pela reflexão e pelo sentimento, não tem esse direito. Vive a recíproca em suas reflexões, nega-a para na sequência de seus pensamentos transferi-la à esfera da consciência de Ana e à esfera exterior, as leis e conveniências da religião. Assim, Aleixo, embora tenha se colocado momentaneamente no 'lugar' de Ana, encontra um modo de retirar-se desse mesmo 'lugar' e lançar a responsabilidade somente para ela e para as leis da igreja, ambas exteriores a Aleixo. O que senti, nessa breve associação do personagem com a FC, foi inicialmente uma atitude nobre em não se ter o direito de "pensar" por outra pessoa, por mais próxima e adorada que ela nos seja, mas os pensamentos do personagem deslocam o que parecia ser uma atitude nobre para uma atitude de fraqueza, talvez, de eximir-se de qualquer culpa pelo que vai na alma de Ana. Fica uma questão: quando entramos em recíproca de inversão, quando nos encontramos nesse direito de penetrar no que o outro tem de mais precioso, frágil talvez, possuímos o direito de logo após nos eximirmos do que foi "visto"? O que seria preciso para não transformarmos uma atitude nobre em uma atitude contrária e como saber com lucidez que não estamos "denegando" a primeira em função daquilo que nos é conveniente? Até mesmo no que se refere a procurar uma resolução imediata para a questão?
s.